terça-feira, 25 de agosto de 2009

À deriva


À deriva, filme de Heitor Dhalia, atualmente em cartaz nos cinemas, é um triunfo absoluto. A obra do diretor de O cheiro do ralo explode em magníficas cores e é certamente o filme brasileiro mais bonito que eu vi na tela grande em diversos anos. A envolvente narrativa conta a estória de Filipa, uma adolescente de catorze anos que tem suas convicções abaladas quando é confrontada com o fato de que seu pai tem uma amante. Essa revelação transforma a relação da personagem com o universo que a cerca, que ela ainda desvela a cada dia, levada pelas revelações típicas da idade: a descoberta do sexo, da complexidade das relações amorosas, da humanidade cheia de erros e incoerências dos próprios pais.

No filme de Dhalia não é somente a beleza da trajetória da protagonista, a fotografia lindamente granulada, a qualidade da trilha sonora, as atuações excelentes – Debora Bloch está maravilhosa e parece ter sido pintada mesmo para o cinema; o francês Vincent Cassel, de O ódio, explora brilhantemente a ligação de Mathias com a filha e a mulher, muito à vontade em ambiente nacional – que me tocam profundamente. Há outros e mais pungentes fatores: a ligação edipiana de Filipa com o pai, o alcoolismo trágico da mãe, o cenário de Búzios, um paraíso tão familiar para mim e que aqui é explorado em todo o seu vigor. Além disso, o plano em que Mathias e Filipa se abraçam com as ondas se unindo ao fundo, pai e filha se reencontrando no amor indissolúvel, já entrou na minha lista das tomadas mais inspiradas dos anos 2000.


Se a trama se assemelha ao neozelandês Chuva de verão é apenas para suplantá-lo em força dramática. Navegando sem destino certo, em meio a um casamento alquebrado, desejos sufocados e muitas e ocultas verdades, Filipa permanece à deriva nesse louco e sempre desconhecido mundo, em que a inocência é naturalmente efêmera. E nós flutuamos ao seu encontro, extasiados.